A comunidade internacional “abandonou-nos a todos” durante o massacre dos Tutsi, afirmou hoje o presidente ruandês Paul Kagame, no arranque das cerimónias evocativas dos 30 anos do genocídio do Ruanda.
As cerimónias oficiais tiveram início hoje, dia em que se assinalam as primeiras mortes naquele que se tornaria o último genocídio do século XX, no qual morreram entre 800 mil e um milhão de pessoas, sobretudo da minoria étnica Tutsi, mas também Hutu moderados.
“Foi a comunidade internacional que nos abandonou a todos, seja por desprezo ou por cobardia”, disse Paul Kagame, no discurso proferido perante milhares de pessoas na BK Arena, uma sala multiusos ultramoderna na capital, Kigali.
“Ninguém, ninguém, nem sequer a União Africana (UA) pode desculpar-se da sua inacção perante a crónica de um genocídio anunciado. Tenhamos a coragem de o reconhecer e de o assumir”, disse, por seu lado, o presidente da comissão da UA, Moussa Faki Mahamat.
Numa declaração oficial publicada hoje na página da Casa Branca, o presidente norte-americano Joe Biden assinalou os 30 anos do genocídio, “uma campanha de matança brutal e sistemática” e um “metódico extermínio em massa, que virou vizinhos contra vizinhos e cujas repercussões, décadas depois, ainda são sentidas no Ruanda e em todo o mundo”.
“Nunca esqueceremos os horrores daqueles 100 dias, a dor e perda sofridas pelo povo do Ruanda, ou a humanidade partilhada que nos liga a todos e que o ódio nunca pode vencer”, afirmou o presidente dos EUA.
Joe Biden afirmou que os Estados Unidos se colocam ao lado “do povo do Ruanda na sua dor”, no dia em que se dá início ao Kwibuka, o período anual de recordação do genocídio, homenageando as vítimas que “morreram sem qualquer sentido e os sobreviventes que corajosamente reconstruíram as suas vidas”.
Nas cerimónias no Ruanda vão marcar presença o ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, à frente da Casa Branca na altura do genocídio, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros Stéphane Séjourné, e a secretária de Estado do Mar do executivo francês, Hervé Berville, nascida no Ruanda.
Para assinalar o 30º aniversário do genocídio no Ruanda, o presidente francês Emmanuel Macron, que já reconheceu em 2021 as “responsabilidades” de França no genocídio de 1994, deu mais um passo, afirmando (como o Folha 8 noticiou no passado dia 5) que Paris, “poderia ter travado o genocídio com os seus aliados ocidentais e africanos, não teve vontade”.
Para assinalar a data, a União Europeia (UE) reafirmou hoje o seu “compromisso inquebrantável com a prevenção do genocídio e de qualquer crime contra a humanidade em todo o mundo”, assim como o “compromisso de garantir a total prestação de contas”, expressou o alto representante do bloco comunitário para os Assuntos Exteriores, Josep Borrell, em comunicado assinado em nome de todos os Estados-membros.
No Ruanda, as raízes desta hostilidade remontam ao período colonial, quando a região estava sob administração alemã e, posteriormente, belga. Como noutras regiões de África, as fronteiras dos territórios são artificiais e não correspondem a limites naturais ou respeitam as diferenças étnicas. Além disso, a administração colonial belga favoreceu a rivalidade entre os dois grupos e promoveu a supremacia da minoria Tutsi.
No início da década de 90, a guerra civil estava iminente e previa-se um conflito em larga escala, sobretudo pelo surgimento de um movimento supremacista Hutu que promovia a violência contra os Tutsi e rejeitava as tentativas de conciliação e de partilha de poder.
O Ruanda era uma espécie de barril de pólvora, cujo rastilho deflagrou, precisamente, no dia 7 de Abril de 1994.
O genocídio do Ruanda causou enorme indignação na opinião pública mundial, não apenas pelo horror causado pelos massacres, mas também pela passividade e indiferença das potências mundiais.
A ONU colocou um pequeno contingente militar no país, nos meses que antecederam os massacres, mas foi completamente impotente para proteger as populações. Houve alertas e denúncias de que estava em marcha uma catástrofe humanitária no país, mas nada foi feito.
A França, tradicional aliada dos Hutus, foi posteriormente acusada de ter tido conhecimento dos planos genocidas das elites Hutus e de não ter tomado nenhuma acção. As organizações de defesa dos direitos humanos denunciaram igualmente a hipocrisia e a insensibilidade da comunidade internacional, por se tratar de uma região remota, longe dos centros de poder mundiais.
O genocídio do Ruanda teve um impacto profundo na economia e no equilíbrio político de toda aquela região, e cujas feridas continuam, em boa parte, ainda por sarar na actualidade.
Nós aqui no Folha 8, que não restem dúvidas, sabemos que os ucranianos, tal como os russos, não são pretos. Nós sabemos que os israelitas e os palestinianos também não são pretos. O Ocidente, a Europa, os EUA não se preocupam com África. Por cá, a maioria são pretos e, por isso, a comunidade internacional pode dormir descansada. Dormir e ter, pelo menos, três refeições por dia nos melhores hotéis…
De uma forma geral e desde sempre os africanos foram (e continuam a ser) instrumentos descartáveis nas mãos dos colonizadores ou dos ex-colonizadores. Ontem uns, hoje outros. Entre escravos, carne para canhão e voluntários devidamente amarrados, foram um pouco de tudo. Muitas vezes foram tudo ao mesmo tempo. Na I Guerra Mundial, por exemplo, deram (pudera!) o corpo às balas, a alma ao Diabo e a dignidade às valas comuns.
Neste conflito alheio, mais de um milhão estiveram na frente de combate, morreram mais de 100 mil. Alguém se recorda hoje deles, ou os recorda, com a dignidade histórica que merecem? Se ser soldado desconhecido é só por si um drama, ser um soldado desconhecido… africano (negro) é obra desenganada. Infelizmente.
De uma forma geral, os africanos são um povo (lato sensu) ingénuo que, mesmo depois de ter poder de decisão, acredita em milagres, sobretudo quando estes não são feitos por santos da casa. Não admira, por isso, que muitos dos seus dirigentes da época (tal como os de hoje) “esperavam que a sua participação, em pé de igualdade com os seus companheiros de armas europeus e americanos, numa guerra que não lhes dizia respeito, mas que lhes foi imposta”, lhes trouxesse “melhorias constitucionais, económicas e sociais nos seus territórios de origem”, escreveu Eugénio Costa Almeida, um académico e escritor da etnia dos angolanos brancos no seu livro “África no Centenário da Guerra de 1914-1918”.
Enganaram-se. O máximo que conseguiram como reconhecimento do seu esforço e dedicação foi mudarem de donos. Ficou, contudo, a semente da rebelião que germinaria no deserto de injustiças que os europeus foram, do alto da sua suposta superioridade, regando.
Suposta superioridade que levou os europeus a pensarem que, regando essa semente, acabariam por a afogar. É claro que, mesmo no próprio continente africano, muita dessa rega foi feita com sangue e não com água. Denominador comum em todas as guerras em África entre africanos: a ambição ocidental em dominar as riquezas autóctones.
E por falar em massacres e genocídios, recorde-se que o Presidente de Angola, general João Lourenço, pediu em 26 de Maio de 2021 desculpas em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo nos massacres de 27 de Maio de 1977 (cerca de 80 mil mortos), salientando que se trata de “um sincero arrependimento”. Mas, é claro, o assassino responsável pelos massacres, Agostinho Neto, continua incólume e a ser, por imposição expressa de MPLA, o único herói nacional. E até tem o seu nome no principal aeroporto do reino. É fartar vilanagem.
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